WhatsApp: MPs alertam sociedade sobre consequências de descumprimentos judiciais

Publicado em 17 de Agosto de 2016

Por.: Júlia Vigné

WhatsApp: MPs alertam sociedade sobre consequências de descumprimentos judiciais

Foto: Bruno Fortuna / Fotos Públicas

O Ministério Público brasileiro e o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) divulgaram na última quinta-feira (28) uma nota técnica alertando a sociedade quanto a prática de crimes na internet. Em meio às diversas intervenções judiciais sofridas pelo aplicativo WhatsApp (veja aqui), os Ministérios se juntaram para chamar a atenção da população quanto aos prejuízos que são causados às investigações quando os provedores e aplicativos não cumprem os mandados do sistema judicial brasileiro (confira a nota). As empresas estrangeiras que fornecem serviços no Brasil devem responder à legislação nacional e, de acordo com a nota, essas empresas se recusam a informar os dados coletados, armazenados, guardados ou tratados por eles, argumentando que elas não se submetem às leis brasileiras. Fabrício Rabelo Paturi, Promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia e coordenador do Núcleo de Combate a Crimes Digitais do Estado da Bahia (Nucciber), afirmou em entrevista ao Bahia Notícias que o Facebook, proprietário do WhatsApp, ao não divulgar os protocolos, não cumpre a Lei N° 12.965/14, mais conhecida como “Marco Civil da Internet”, que regulamenta o uso da Internet no país. Paturi afirmou que os usuários tem uma sensação de “pseudosegurança” na internet e que a importância das intervenções judiciais  só é vista pela população no momento em que os crimes são praticados contra eles. Apesar de todos os benefícios que a internet traz, condutas transgressoras são frequentemente identificadas nesse meio por conta da falsa sensação de anonimidade e de consequente impunidade que a internet dá. Paturi ressalta que apenas 1% dos crimes cibernéticos são interceptáveis e afirma que, através das ações judiciais, a Justiça brasileira e o Ministério Público só quer que a sociedade se torne mais segura nessa nova plataforma e que as as empresas cumpram a legislação. Quando questionado acerca do futuro do aplicativo, Paturi afirma que a legislação determina que se mesmo depois dos bloqueios de contas, o aplicativo não cumprir as ordens judiciais, ele deve ser bloqueado no país. Entretanto ele afirma que esse não é o objetivo do Judiciário: “Se as empresas se recusarem a cumprir a legislação brasileira e afirmarem que não irão cumprir, teríamos não só um caso de suspensão, teríamos um caso de inabilitação. Mas não é isso que nós desejamos, queremos que a empresa adapte-se à legislação brasileira e possa exercer livremente os seus negócios”, finalizou.

Na nota os órgãos chamam a atenção para os prejuízos causados a investigações de crimes praticados por meio da internet. Aqui na Bahia há algum crime cibernético que é observado com mais frequência pelo MP?

Os crimes cibernéticos podem ser próprios ou impróprios. Os próprios ou puros são aqueles que a pessoa visa atacar os sistemas de informática ou até mesmo o próprio equipamento, por exemplo a invasão de dispositivos, de telefones. Enquanto os crimes impróprios ou impuros, que equivalem a mais de 95% dos crimes, são aqueles que atingem um bem jurídico comum, como o patrimônio, e só utilizam a internet como meio de execução. Então são mais de 95% de casos de ilícitos que sempre existiram mas que, de alguma forma, migraram para a plataforma da internet. Como por exemplo temos os crimes contra honra, que já eram praticados e hoje são praticados através das redes sociais. No caso específico da nota técnica, ela funciona para ambos os ilícitos, mas o que nos preocupa efetivamente é apontar à sociedade os crimes impróprios como regra. Esses crimes, além de serem a maior parte, são neles em que a sociedade mais sofre quando nós efetivamente não conseguimos ter início investigativo. No caso da nossa região, o nordeste foi considerado a segunda região com mais crimes cibernéticos do Brasil em matéria recente publicada, e a Bahia é campeã no nordeste. Então daí você tira a importância estratégica do nosso estado para esse tipo de discussão.

Um dos casos mais recentes que mais chamaram a atenção da sociedade foi a polêmica das diversos bloqueios do WhatsApp. Existem três pilares principais dentro dessa polêmica, que é o sistema de criptografia, a divulgação das informações e o descumprimento da lei. O senhor concorda com os bloqueios que são realizados pelo aplicativo? De que forma essa questão acaba passando por esses pilares? 

Uma coisa é bloqueio, uma coisa é criptografia e outra coisa é descumprimento da lei. Essa temática está sendo completamente deturpada pela discussão paralela da criptografia e dos conteúdos não armazenados. Quando nós estamos focando na questão do descumprimento da lei, é porque nós estamos afirmando que há o descumprimento frontal da legislação nacional. A criptografia não é ilegal, nem inconstitucional, tanto que não é só o esse aplicativo que usa a criptografia. O que o Ministério Público pretende é ter acesso a provas. Para acessar as provas, existem algiumas técnicas que não necessitem de descriptografia, como através de busca e apreensão dos dispositivos. O que ocorre, na verdade, é que as empresas não entregam os dados não criptografados para a gente. E esses dados são obrigatórios, por lei, que a empresa tenha e que forneça, quando necessário, ao MP e à Justiça. Então saindo da discussão dessa criptografia e do armazenamento do conteúdo, que de fato uma é bastante polêmica. Como eles não fornecem as informações obrigatórias, nós não conseguimos adotar outras técnicas para conseguir chegar até a informação. O Marco Civil foi uma lei de extrema discussão no Brasil. Ela foi tema de uma apuração muito grande. O Marco Civil estabelece que toda empresa que está aqui no Brasil, que coleta dados de brasileiros ou que faça parte de um conglomerado econômico, ou seja, que qualquer dispositivo que estiver gerando dados e coletando-os por dispositivo, que esteja no Brasil, tem que cumprir a lei. É uma lei vigente, que está operando plenamente, cujo nenhum dispositivo foi considerado ilegou ou inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF).

Existe algum artigo específico que legisle sobre a necessidade do armazenamento de dados? De que forma o não cumprimento da lei afeta nas investigações?

Dentro dessas premissas do Marco Civil­­­­, o artigo 15 diz que provedores e aplicações, tais como WhatsApp e Facebook, que fazem funções de aplicativos, são obrigados a armazenar registros de aplicação, ou seja, o registro de conexão de aplicação. Esse registro é uma anotação que diz de que lugar saiu a informação, para onde saiu, a hora, o minuto e o segundo. Com essas informações é emitido um protocolo, que é justamente esse que o artigo 15 afirma que deve ser emitido pelas empresas. O WhatsApp não cumpre, diz que não vai cumprir, que não reconhece a legislação e a jurisdição brasileira e que não tem obrigação de seguir. O Facebook até cumpre o armazenamento de registros, mas quando um usuário deleta o seu perfil, a empresa não congela esses dados por seis meses como diz a lei e, portanto, também acaba por descumprir a nossa legislação. Por não reconhecer a nossa autonomia, eles acabam não cumprindo a nossa legislação, só se passar por um juízo e crivo americano. E, desta forma, nós não temos acessos a informações porque eles podem simplesmente se recusar, demorar demais para poder cumprir a ordem judicial e prescrever o tempo da prova. Quando eles não guardam os registros, a gente não consegue chegar ao dispositivo informático. E acaba inviabilizando completamente uma investigação cível, uma investigação de combate a corrupção e até mesmo uma investigação criminal. O Whatsapp afirma que nós temos que chegar ao telefone, mas não há como fazer isso sem os logs, porque só com o número de telefone nós podemos encontrar CPFs falsos. Os registros dariam a probabilidade de encontrar os reais criminosos. Por exemplo em casos de vítima de ataque contra honra, de fotos íntimas vazadas, de uma vingância pornô, de estelionato praticado como por exemplo a venda de ingressos falsos, que a pessoa acaba comprando pelas redes sociais e depois não tem como buscar quem efetivamente vendeu esses ingressos falsos. Somente 5% dos crimes são interceptáveis e, mesmo assim, os critérios para autorizar a interceptação transformam esses 5% em apenas 1% de interceptáveis realmente.

O Marco Civil da Internet prevê que após advertência, multa e bloqueio de contas, que já está sendo utilizado pelo Judiciário brasileiro, a Justiça pode suspender temporariamente o serviço. O senhor acredita que o WhatsApp pode ser suspenso, tanto temporariamente, quanto definitivamente no Brasil?

Nós não queremos que esse caminho seja tomado. A nossa experiência mostra que quando a sociedade tem uma reação adequada  e as empresas tomam prejuízos financeiros, elas sentam para negociar e resolvem. O Orkut é uma empresa da google que não cumpria a legislação brasileira e depois de várias formas de atuar ser utilizada, a empresa sentou com as autoridades brasileiras e hoje a Google é uma das maiores parceiras da força de segurança. A mesma coisa aconteceu com a Microsoft, que também não atendia à jurisdição brasileira, porque ser uma empresa estrangeira com sede em outros países, e hoje são parceiras e cumprem todas as regras da legislação brasileira, no que se refere à entrega de registros, parcerias e no reconhecimento das decisões judiciais. Nós estamos dizendo é que nessa estratégia que estamos tentando adotar agora é que precisamos fazer algo paralelo ao que foi feito antes, visamos unificar o entendimento entre os Ministérios Públicos para falar o seguinte: vamos investir nas medidas menos gravosas, que não atinjam aos usuários, se a advertência não resolveu, se a frente não resolveu, nós iremos aplicar a pena de multa, que pode ser até 10% do faturamento, aumentando de acordo com a reincidência, e poderemos bloquear financeiramente as contas da empresa no país. O problema é que quanto mais a empresa tiver a liberdade que tem, mais as pessoas vão pensar que podem fazer o que querem dentro do aplicativo. Nós já tivemos o bloqueio no Paraná de R$ 19 milhões e agora recentemente no Amazonas de R$ 38 milhões. Hoje o Facebook está com R$ 57 milhões bloqueados por descumprimento da lei brasileira. Nós queremos reforçar o pedido de que eles sentem com as autoridades. A estratégia é essa, a gente não fomenta em primeiro momento a suspensão porque se efetivamente as empresas se recusam a cumprir a legislação brasileira e afirmarem que não irão cumprir, teríamos não só um caso de suspensão, teríamos um caso de inabilitação. Mas não é isso que nós desejamos, queremos que a empresa adapte-se à legislação brasileira e possa exercer livremente os seus negócios.

A nota técnica foi feita para alertar a população. Qual é o recado que os Ministérios Públicos brasileiros buscam passar para a sociedade?

Precisamos esclarecer à população o risco que ela está passando. Somente na hora em que determinado indivíduo é vítima é que consegue compreender a dor e o sofrimento que é não ter o seu bem juridico tutelado pelo Estado. As pessoas se sentem seguras na internet, mas o que há, na verdade, é uma pseudosegurança. Quando tornam vítimas de um crime contra a honra, se veem vítimas de estelionato, ou até de um crime mais grave e vem buscar o estado brasileiro e ouve que não há nada o que se possa fazer porque as empresas não cumprem a legislação, a indignação dela sobe ao extremo e elas percebem o quão inseguras estão. Então a nossa campanha é justamente para isso, para que a sociedade tenha um esclarecimento sobre o que está acontecendo. Queremos que a população entenda que nós não somos e não estamos contra qualquer tipo de empresa. A gente quer que as empresa venham livremente exercer seu modelo de negócio. O que estamos pedindo não é nada demais: estamos pedindo que elas cumpram a nossa legislação.

Fonte: http://www.bahianoticias.com.br/justica/entrevista/167-whatsapp-mps-alertam-sociedade-sobre-consequencias-de-descumprimentos-judiciais.html

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