Pacto contra crime cibernético: CPMI quer identificar origem das fake news

Por Rodolfo Costa

O “pacto de entendimento” entre os Três Poderes sinalizado pelo governo federal ao fim de maio subiu no telhado e ficou no esboço. Mas o Congresso arregaçou as mangas e iniciará um debate que promete tirar o compromisso do papel, colocá-lo em prática e unir Executivo, Legislativo e Judiciário em uma agenda comum. Quando o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), criou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar ataques cibernéticos, na quarta-feira, ele ampliou e fortaleceu uma discussão que começou na Câmara, por meio de audiência pública. Serão 15 deputados e 15 senadores a compor o colegiado. Além disso, intensificou uma articulação feita nos bastidores com o Supremo Tribunal Federal (STF).

O Palácio do Planalto deve se unir no debate por inércia. Com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, sob a mira de reportagens que questionam a imparcialidade de ações tomadas quando era o juiz responsável pelos processos da Operação Lava-Jato em Curitiba, as apostas no governo e no Parlamento são de que o Executivo vai entrar de bandeja na discussão. O deputado Filipe Barros (PSL-PR), vice-líder da legenda na Câmara, apresentou ao STF um pedido de suspensão da CPMI — assinado somente por ele — questionando que a intenção é “instaurar o crime de opinião”. Um dos objetivos do colegiado é apurar a utilização de perfis falsos e a influência disso em resultados das eleições de 2018.

A demanda do parlamentar, no entanto, deve naufragar juridicamente e politicamente. No Congresso, aliados se movem para abafar o caso, orientando que a prioridade da CPMI será investigar os ataques cibernéticos e discutir medidas de punibilidade. No STF, a estratégia foi jogar a análise para depois do recesso. Responsável pelo tribunal no período de paralisação das atividades, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, não trata o assunto com urgência e o deixou para ser apreciado após a retomada das atividades, em agosto, pelo relator, ministro Ricardo Lewandowski. A aposta, no entanto, é pela manutenção das atividades no colegiado.

O STF atua para suspender CPMI’s somente em casos de extrema afronta à Constituição. Na Corte, não é essa a avaliação de ministros no caso do colegiado criado, dizem assessores. A própria discussão é de interesse pessoal de alguns magistrados, como Alexandre de Moraes e Toffoli, que, em abril, instaurou inquérito sigiloso para investigar ataques em redes sociais contra ministros da Corte.

O próprio Toffoli é um dos mais interessados na continuidade da CPMI. Há cerca de duas semanas, em Brasília, jantou com representantes da bancada do DEM — inclusive o presidente nacional do partido, ACM Neto —, em um encontro no qual procurou apoio do Congresso para entender como identificar a origem dos crimes cibernéticos e como se disseminam as fake news.

Punições
Do jantar entre Toffoli e a bancada do DEM, se intensificou a articulação para a criação da CPMI, com base em requerimento apresentado pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP), escolhido para presidir a comissão. Embora o colegiado ainda não esteja instalado, os diálogos estão avançados. O líder da legenda na Câmara, Elmar Nascimento (BA), discutiu com outros líderes o uso das investigações feitas no colegiado para subsidiar a criação de proposições legislativas para estabelecer punições mais rígidas a quem comete os crimes na internet. Um dos próprios objetivos da CPMI é investigar “ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público”, além do cyberbullying e o aliciamento de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio.

A desconstrução de imagens pelas fake news virou um motivo de briga pessoal dentro do Congresso e do STF. No Parlamento, a retórica é de que o mesmo está ocorrendo com Moro e, por isso, buscam trazer o governo para o debate. “A questão é muito mais a tentativa de desconstruir a imagem do Moro do que o crime no processo de vazamento das conversas entre ele e a força-tarefa da Lava-Jato”, pondera uma liderança do DEM. A ideia é estabelecer penas extremamente rigorosas para violações cometidas na internet.

A ideia é prever, em média, o dobro da punição que existe atualmente e transformar todo crime cometido na web em ação civil pública, e não em ação privada.

O artigo 154-B do Código Penal estabelece que só há denúncia em casos de crimes cibernéticos quando a vítima manifesta vontade judicialmente. A ideia da CPMI é discutir proposições que alterem a legislação para que o Ministério Público (MP) e as polícias civis e federal possam atuar sem a necessidade de representação. Além disso, é preciso ampliar o artigo 154-A, que prevê como crimes apenas a invasão de dispositivos informáticos mediante violação indevida de mecanismos de segurança para quem obtém, adultera ou destrói dados. Além de punição branda — de três meses a um ano — a legislação abre brechas para o infrator que comete delitos sem precisar hackear e tampouco normatiza os crimes contra a honra cometidos na internet, onde imagens são desconstruídas com fake news.

MPF entra no combate
O Ministério Público Federal (MPF) também vai se engajar na “CPMI das fake news”. O Grupo de Trabalho de Combate aos Crimes Cibernéticos do MP pretende se articular para tirar do Projeto de Lei do Senado (PLS) 236/2012 os artigos que tratam sobre crimes cibernéticos, criar um projeto independente que, potencialmente, pode ser debatido e aprimorado dentro do colegiado.

O PLS 236 é conhecido como o projeto do Novo Código Penal e se encontra empacado desde a última legislatura na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Ciente das articulações e da disposição do DEM em discutir o assunto, membros do MPF estão se movimentando para dialogar com o relator do texto, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), líder da legenda, a fim de retirar os trechos que tratam sobre os crimes virtuais e discutir uma proposição à parte.

A ideia não é malvista pelo DEM. O próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se articula para propor uma agenda robusta sobre os crimes cibernéticos. “Ele está empenhado”, afirma um interlocutor do demista. Para a coordenadora do Grupo de Trabalho de Combate aos Crimes Cibernéticos da Segunda Câmara de Coordenação e Revisão do MP, Neide Cavalcanti , é importante que a pauta avance.

O MP investe em capacitação para promotores e procuradores atuarem no combate aos crimes cibernéticos, mas é preciso mudanças na legislação referentes a punibilidade e normatizações mais expressas sobre falsificação digital e eletrônica, sabotagem e acesso indevido, bem como regulamentação e controle dos protocolos de internet.

Deep Web
A criação de penas rígidas para quem comete crimes na chamada deep web, parte da internet oculta ao grande público, também é necessária, alerta o especialista em crimes cibernéticos Luiz Walmocyr, escritor e agente da Polícia Federal (PF).

O andamento de um projeto mais duro sobre punições aos crimes na internet à parte do PLS 236 é defendido pela chefe da Unidade de Repressão a Crimes de Ódio e Pornografia Infantil da PF, delegada Rafaella Vieira. “É uma boa ideia ter tramitação independente.
O crime cibernético é volátil e deixa rastro, mas por pouco tempo.

A gente tem muita pressa nessas investigações e, às vezes, tem alguns entraves que dificultam os trabalhos”, pondera. Ela diz não ter sido procurada para participar das articulações no Congresso.

Por Rodolfo Costa

Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/07/08/interna_politica,768969/amp.html

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